sábado, novembro 01, 2008

PENSAMENTO_Claudia Galhós sobre a Real Pelágio

Publicamos aqui um excerto do texto da autoria da jornalista e escritora Claudia Galhós sobre a estrutura Real Pelágio que hoje apresenta, no âmbito do Festival Y #06, o espectáculo "Tritone", às 21h30m no Teatro Virgínia, em Torres Novas.



“A Real Pelágio, da dupla Sílvia Real (criadora e intérprete) e Sérgio Pelágio (músico), é uma estrutura invulgar dentro do universo da dança contemporânea portuguesa. No caso desta, aplica-se, à letra, a designação de «independente». Quando se candidataram, pela primeira vez, aos apoios estruturais do Estado, então através do IPAE, em 1999, fizeram-no com o acordo mútuo de que seria apenas durante cinco anos, para arranque do projecto. Em 2005 não houve concurso, os montantes foram prorrogados, e para não quebrar o compromisso, investiram o que receberam na compra de equipamento, nomeadamente numa carrinha com a qual percorrem o país, com o cenário das peças que apresentam às costas. (…)
Dona Domicilia está a ficar velha. O tempo vai passando por ela, em palco. Há mais de uma década, ganhou vida, no cubículo branco onde se apresentou na intimidade, numa casa imaginada pela Real Pelágio a lembrar os estúdios/casa minúsculos, onde pode habitar apenas o corpo em solidão. «Casio Tone», o primeiro episódio com referências à banda desenhada e a Jacques Tati e Roman Polanski, ainda circula pelos teatros portugueses. Domicilia partilhou, entretanto, o seu temperamento desencantadamente feliz da vida quotidiana no local de trabalho, em «Subtone», a sequela que a coloca no entendiantemente divertido local de trabalho(…).
Desta vez, - em Tritone - o estranhamente encantadora e emblemático ser humano destes nossos tempos vai de férias.(…) A longevidade da história, neste caso construiu relações de afectos. Os dois recordam alguns bons momentos desta existência duradoura, como o caso da miúda de 12 anos que assistiu, em Beja, a um dos primeiros espectáculos desta invulgar personagem. Dez anos depois, a mesma menina é agora uma programadora que continua a acompanhar a vida conturbada de Domicilia.
Sílvia e Sérgio conheceram-se no início da década de 90. Começaram por colaborar artisticamente mas foi em 1995, com a peça de grupo «Pour Bien», que perceberam que partilhavam algumas afinidades na maneira de trabalhar, como hoje recordam: «a capacidade de ironizar sobre nós, a descoberta de uma vontade de trabalhar à volta do humor».
Em 1999 formalizaram a existência da estrutura que chamaram de Real Pelágio. Ao desejo de trabalhar em conjunto, juntava-se a necessidade da constituição legal para concorrerem aos apoios do Ministério da Cultura.
(…)
Desde o arranque que a aposta é feita na circulação e na conquista de novos públicos, sempre através do contacto directo. Sílvia Real fez-se à estrada, logo em 1995, para tentar vender a peça de grupo «Pour Bien». Lembra-se de ter visitado cerca de 15 teatros, sem reuniões marcadas, à aventura, e sempre a insistir, a insistir e a esperar até as pessoas a receberem. O país era outro. Viu teatros fechados, a escolha não era muita. Ainda assim, conseguiu levar aquela peça a quatro teatros. A divulgação que faziam no local seguia a mesma lógica: na rua, Sílvia fazia uma cena da peça para atrair espectadores. À moda antiga. Diz que essa relação directa, com as pessoas, programadores e público começa agora a dar resultados.
Da estratégia de viabilização fazem parte outros itens determinantes, como: «Não desistir. Saber esperar. Pensar um bocadinho mais a longo prazo.» Dizem que o subsídio lhes tirava «imenso tempo». Não tanto no dispêndio do preenchimento dos impressos, que também era substancial, mas mais no «compromisso artístico e económico» que sentiam perante o Estado que lhes consumia energia, que agora canalizam para falar com as pessoas e vender espectáculos. Andam com o cenário atrás, dentro de uma carrinha que compraram, e dizem-se autónomos: «Montamos e desmontamos tudo. À antiga. Claro que pedimos dois carregadores e um técnico no teatro onde vamos, mas às vezes não existem. Já tivemos situações em que nos entregaram a chave do teatro para as mãos. A grande vantagem que temos hoje é que podemos fazer uma série de espectáculos que recusaríamos há alguns anos porque temos o material, só não temos os projectores. Somos autónomos em relação ao espaço.» E aqui surge mais um dos itens da estratégia: «Nunca dizemos não, tentamos sempre arranjar uma solução para alguém que se interesse pelo nosso trabalho e fazemos, qualquer que seja o enquadramento, sempre com a mesma dedicação, profissionalismo e prazer.”

in “Uma história da dança independente “ - excerto do texto de Claudia Galhós para o Dia Mundial da Dança de 2002


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